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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Ex oficiais israelenses admitem atrcidades sistemáticas contra palestinos


Granadas para provocar o medo

“Aparecemos de repente numa aldeia palestiniana, às 3h da madrugada, e começamos a lançar granadas de aturdimento nas ruas. Para nada, para provocar o medo. Víamos as pessoas acordarem desvairadas… Diziam-nos que isso punha em fuga eventuais terroristas. Balelas… Fazíamos isso todas as noites, rotativamente. Uma rotina. Diziam-nos: ‘Bela operação’. Nós não compreendíamos porquê.”


Criámos um monstro: a ocupação

Pela primeira vez, ex-oficiais do exército israelita dão a cara para denunciar os crimes de Israel em Gaza. Eis uma entrevista de Yehuda Shaul, fundador da ONG Breaking the Silence e autor do livro do mesmo nome. Seguem-se algumas declarações de outros ex-oficiais na mesma organização. Por ex-oficiais israelitas, entrevista de Catherine Schwaab

Yehuda Shaul, 28 anos, ex-oficial do exército israelita, é autor de Breaking the Silence [Quebrar o silêncio], um livro acontecimento que será publicado em Janeiro, onde os combatentes do Tsahal [o exército israelita] contam o seu intolerável comportamento nos territórios ocupados em Gaza. Uma entrevista de Catherine Schwaab publicada na revista francesa Paris Match.

Catherine Schwaab [CS]: O seu livro é uma bomba pelas suas revelações: que efeito concreto espera?

Yehuda Shaul [YS]: Espero poder enfim suscitar uma verdadeira discussão séria em Israel pois, desta vez, os nossos testemunhos são numerosos, verificados, incontestáveis: são 180 e tiramos deles uma análise, o que é novo.

CS: Pensa que a opinião pública ignora o que significa a ocupação militar dos territórios palestinianos?

YS: O público tem clichés na cabeça que incitam à aprovação cega. Por exemplo, em hebreu, a política israelita nos territórios ocupados resume-se a quatro termos que não se pode contestar: “sikkul” (a prevenção do terrorismo), “afradah” (a separação entre a população israelita e a população palestiniana), “mirkam hayyim” (o “fabrico” da existência palestiniana) e “akhifat hok” (a aplicação das leis nos territórios ocupados). Na realidade, sob esses nomes de código escondem-se terríveis desvios que vão do sadismo à anarquia e rejeitam os mais elementares direitos da pessoa. Isso vai até aos assassinatos de indivíduos inocentes que se calcula serem terroristas. E não falo das prisões arbitrárias e dos assédios de toda a espécie.

CS: Qual é o objectivo disso?

YS: Está claramente definido: é o de mostrar a presença permanente do exército, de produzir o sentimento de ser-se perseguido, controlado, em suma, trata-se de impor o medo a todos na sociedade palestiniana. Opera-se de maneira irracional, imprevisível, criando um sentimento de insegurança que quebra a rotina.

CS: A ocupação dos territórios não será necessária para evitar «surpresas» terroristas?

YS: Não! A ocupação sistemática não se justifica, pois ela abrange uma série de interdições e de entraves inadmissíveis. Queremos discutir sobre isso agora. Nem no seio do exército nem no seio da sociedade civil ou política se quer enfrentar a verdade. E essa verdade, é que nós criámos um monstro: a ocupação.

CS: Pode esperar-se que discussões sérias sobre a paz melhorem a situação?

YS: Não, tentar acabar com o conflito é uma coisa, acabar com a ocupação é outra. Estamos todos de acordo para procurar a paz, mas esquecemos a ocupação. Ora, é preciso começar por aí.

CS: Os vossos testemunhos revelam a incrível impunidade de que beneficiam os colonos, verdadeiros assistentes militares: eles brutalizam os vizinhos palestinianos, levam os seus filhos à agressividade e ao ódio dos árabes…

YS: Certamente, mas não são eles o problema. É o mecanismo de ocupação que lhes deu esse poder desmedido. Eu, quando era militar em Hebron, não podia deter um colono que estivesse a infringir abertamente a lei sob os meus olhos. Eles fazem parte desse sistema imoral.

CS: Pensa encontrar um apoio na opinião israelita?

YS: Por enquanto, somos minoritários mas optimistas! Temos de sê-lo, pois vivemos tempos sombrios, a opinião israelita é apática, as pessoas estão fartas. E o preço a pagar por esta ocupação não é pesado. É a razão por que não há vontade política. Em contrapartida, o preço moral é enorme.

CS: É a primeira vez que são feitas tais revelações?


YS: Não, há um ano, tínhamos contado as pilhagens na faixa de Gaza e tínhamos sido atacados por todos os lados: pelo exército, pela sociedade civil e a sociedade política. Netanyahu acusou-nos de termos «ousado quebrar o silêncio». Mas que silêncio? É um silêncio vergonhoso sobre um escândalo estrondoso! Eles fizeram tudo para nos desacreditar. Saiu-lhes mal, pois nós somos todos antigos oficiais que vivemos esses acontecimentos terríveis.

CS: Precisamente, muitos soldados e oficiais que se expressam parecem traumatizados pelo que tiveram de fazer. Um sofrimento que permanece.

YS: Sim… Enfim, não nos enganemos: as vítimas, são os palestinianos que aguentam esse controlo. Hei-de sempre recordar a resposta de um comandante do exército durante uma discussão televisiva em 2004. Tínhamos organizado uma exposição de fotografias com um vídeo de testemunhos. Ele disse-me: «Concordo com o que vocês mostram, mas é assim, temos de aceitá-lo, isso chama-se crescer, tornar-se adulto». Fiquei sem palavras.

CS: Algumas pessoas pensam que Israel tem interesse em manter o conflito e que os palestinianos nunca terão as suas terras.

YS: É falso. É impossível erradicar uma população de 3,5 milhões de habitantes. O problema não está em dar-lhes uma terra, mas na obsessão de querer controlá-los.

CS: Serão as jovens gerações dos 20-30 anos mais permeáveis ao vosso ponto de vista?

YS: Nem toda a minha geração está de acordo comigo, mas ninguém pode dizer que minto. Somos todos ex-membros do exército nacional, pagámos o preço, ganhámos o direito de falar. É preciso que os espíritos mudem a partir de dentro.

CS: Você é judeu ortodoxo e tem um discurso estranhamente aberto. A sua fé ajuda-o neste combate?

YS: Nem por isso… Mas eu sei o que significa ser judeu religioso: não ficar silencioso perante o que está mal. E quero trazer uma solução, não um problema.

Declarações de 4 ex-oficiais, extraídas do livro Breaking the Silence

Granadas para provocar o medo

“Aparecemos de repente numa aldeia palestiniana, às 3h da madrugada, e começamos a lançar granadas de aturdimento nas ruas. Para nada, para provocar o medo. Víamos as pessoas acordarem desvairadas… Diziam-nos que isso punha em fuga eventuais terroristas. Balelas… Fazíamos isso todas as noites, rotativamente. Uma rotina. Diziam-nos: ‘Bela operação’. Nós não compreendíamos porquê.”

Roubar um hospital

“Uma noite, recebemos ordens para entrar à força numa clínica de Hebron que pertence ao Hamas. Confiscámos o equipamento: computadores, telefones, impressoras, outras coisas, ao todo um valor de milhares de sheleks [moeda de Israel = 0,21 euros, 0,47 reais]. E porquê? Atingir o Hamas financeiramente, mesmo antes das eleições para o Parlamento palestiniano, para eles as perderem. O governo israelita anunciara oficialmente que não iria tentar influenciar essas eleições…”

“Matámos um tipo por pura ignorância”

“Não sabíamos que, durante o ramadão, os fiéis saem à rua às 4 horas da manhã para acordar as pessoas, para que se alimentem antes do nascer do dia. Identificamos um tipo numa alameda que segura algo nas mãos, gritamos-lhe ‘alto!’. Então, se o ‘suspeito’ não pára imediatamente, o regulamento exige que se faça o aviso. ‘Páre ou atiro’, depois atiramos para o ar, a seguir para as pernas, etc. Matámo-lo, ponto final. E por pura ignorância dos ritos locais.”

Camponeses em pranto

“As nossas escavadoras levantam uma barreira de separação mesmo no meio de um campo de figueiras palestiniano. O camponês chega lavado em lágrimas: ‘Plantei este pomar durante dez anos, esperei dez anos que ele desse frutos, colhi-os durante um ano apenas e agora arrancam-mo pela raiz!’ Não há hipótese de replantar. Só há compensações a partir de 41% de terra confiscada. Se for só 40%, não levas nada. O pior é que amanhã, se calhar, eles vão decidir parar a construção da barreira.”

Devolver os galões [distintivos], voltar a ser soldado

“Instalamos pontos de controlo surpresa. Em qualquer lado, nunca se sabe claramente. E de repente prendemos toda a gente, controlamos todos os documentos. Ali estão mulheres, crianças, velhos, durante horas, por vezes à torreira do sol. Prendemos inocentes, pessoas que querem ir trabalhar, procurar alimentos, não são terroristas… Tive de o fazer durante cinco meses, oito horas por dia, isso deitou-me abaixo. Então decidi devolver os galões de comandante.”

“A nossa missão: incomodar, assediar”

“Estamos em Hebron. Como os terroristas são residentes locais e a nossa missão é entravar a actividade terrorista, a via operacional é esquadrinhar a cidade, entrar em casas abandonadas, ou em casas habitadas escolhidas ao acaso – não há serviço de informações para nos orientar –, revistá-las, saqueá-las… e nada encontrar. Nem armas nem terroristas. Os habitantes acabaram por se habituar. Andam irritados, depressivos, mas habituados porque é assim há anos. Fazer sofrer a população civil, fazer das suas vidas um inferno, e saber que isso não serve para nada. Dá um tal sentimento de inutilidade.”

“As punições colectivas”

“Os meus actos mais imorais? Fazer explodir casas de suspeitos terroristas, prender centenas de pessoas em massa, olhos vendados, pés e mãos atados, levá-los em camiões [caminhões]; entrar nas casas e expulsar brutalmente as famílias; às vezes voltávamos lá para fazer explodir a casa; nunca sabíamos porquê essa casa e não outra, nem quais suspeitos prender. Por vezes davam-nos ordem para destruir, com o bulldozer ou com explosivos, a entrada da aldeia, à guisa de punição colectiva por terem albergado terroristas.”

“Proteger colonos agressivos”

Chegamos subitamente ao distrito de Naplouse para garantir a segurança dos colonos. Descobrimos que eles decidiram atacar Huwara, a aldeia vizinha, palestiniana. Estão armados, atiram pedras, com o apoio de um grupo de judeus ortodoxos franceses que filmam, tiram fotografias. Resultado: ficamos entalados entre árabes surpreendidos, aterrorizados, e a nossa obrigação de proteger os colonos. Um oficial tenta fazer recuar os colonos para as suas terras, é agredido, há tiroteio, o oficial retira-se. Não sabemos o que mais fazer: sustê-los, proteger os palestinianos, proteger-nos a nós, uma cena absurda e demente. Acabámos por conseguir que os agressores voltassem para casa. Uma dezena de árabes ficaram feridos.”

Assassinar um homem desarmado

Estamos de vigia numa casa cujos ocupantes expulsámos, suspeita-se da presença de terroristas, estamos de vigia, são 2 horas da manhã. Um dos nossos atiradores localiza um tipo que caminha em cima de um telhado. Eu olho com os binóculos, tem 25 ou 26 anos, não está armado. Damos a informação por rádio ao comandante e este intima-nos: ‘É um vigia deles. Abatam-no.’ O atirador obedece. Eu chamo a isso um assassinato. Tínhamos meios de o prender. E não foi um caso único, são às dezenas.” (Texto retirado de Passa Palavra)

Versão original da entrevista (em francês) aqui.
Versão original (em francês) das declarações dos 4 oficiais extraídas do livro, aqui.

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